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Entrevista com Marcos França

Entrevista realizada pela jornalista Jaquilane Medeiros com o autor:

- A cultura popular foi o tema do seu primeiro trabalho literário. O que o levou a optar pelo tema?

Surgiu por acaso. É que quase todas as vezes que estava na praia, surgia uma dupla de violeiros que cantava nas mezinhas de um bar onde estava. De tanto ouvi-los, acabei me apaixonando pelas suas tiradas de humor. No começo, meu objetivo era só escrever algumas anotações, selecionando alguns gêneros dessa poesia popular. Depois resolvi aumentar minhas pesquisas, fazendo alguns apontamentos sobre outras manifestações artísticas, como o cordel, a trova, etc. Quando dei fé, já tinha material suficiente para um livro.


- O seu trabalho é fruto de uma pesquisa que durou alguns anos. O que mais foi extraído dessa pesquisa?

Olha, a Paraíba sempre foi um celeiro de excelentes poetas, como Augusto dos Anjos, Lúcio Lins, Sergio Castro Pinto, Américo Falcão, Raul Machado, Celso Novais, Eulajoso Dias, Severino Sertanejo e muitos outros. Mas a poesia improvisada, com rimas e métricas certinhas e respostas na ponta da língua exigem rapidez de raciocínio que só os grandes violeiros detêm. Por isso, acho que estas poesias são mais puras e mais belas que aquelas.

Sobre o que acabo de dizer, o repentista Dimas Batista fez esta comparação crítica:

Eu acho engraçado um poeta da praça,
Que passa dois meses fazendo um quarteto,
Com um ano de luta é que finda um soneto,
Depois que termina, e ainda sem graça,
Com tinta e papel, o esboço ele traça,
Contando nos dedos para metrificar.
Que noites de sono ele perde a pensar,
A fim de mostrar tão minguado produto,
Pois desse eu faço, dois, três, num minuto,
Cantando Galope ma beira do mar!


- No livro – Para Rir até Chorar com a Cultura Popular – você ressalta o trabalho de grandes nomes de artistas paraibanos. Como foi fazer esse resgate?

Foi muito emocionante e contagiante. À medida que fui lendo e estudando sobre o assunto, fui me aprofundando no universo desses artistas. Li sobre a vida pessoal de muitos deles e as maneiras criativas de expressarem seus pensamentos e sentimentos através de sua arte.

Então aprendi a respeitar e valorizar poetas como José Alves Sobrinho, Romano Elias da Paz, Manoel Galdino Bandeira, Manoel Lourenço da Silva (Manoel Chudu), Cesário José de Pontes, Inácio da Catingueira, Heleno Bezerra Pinto, Silvino Pirauá Lima, Joaquim Batista de Sena, Luiz Dantas Quesado, Pedro Bandeira Caldas, Josué Alves da Cruz, José Nunes Filho (Zé de Cazuza), Francisco Romano Caluete, Oliveira de Panelas (que mesmo sendo filho de Pernambuco é mais paraibano do que muitos que aqui nasceram), Severino Lourenço da Silva Pinto (Pinto de Monteiro), Orlando Tejo, Zé da Luz, Leandro Gomes de Barros, Bebé de Natércio, o mestre Jessier Quirino e tantos outros que não me vêm à memória agora. Eles escreveram seus nomes na galeria dos maiores poetas populares de todos os tempos.


- A primeira edição do seu livro esgotou em poucos meses nas livrarias de João Pessoa. Como você vê essa repercussão tão positiva?

Apesar de não ter feito nenhum lançamento, realmente o livro foi bem aceito pelo público. Acho que foi pela forma irônica e engraçada como escrevi sobre alguns ramos de nossa cultura popular. E graças também às boas matérias sobre ele que saíram em alguns meios de comunicação, como na revista “A SEMANA” e jornais de grande circulação do estado, sem deixar de lado a propaganda boca a boca de parentes, amigos e colegas do Banco do Brasil, o livro teve uma boa procura nas livrarias.


- Você vem participando de feiras literárias em diversas cidades. Como tem sido essa experiência?

A experiência está sendo muito boa. Pela primeira vez estou tendo contato direto com o público. Foi muito gratificante e emocionante para mim, que sou estreante, ouvir do comprador: “- Gostei cara! Vou levar”. Eu fiquei todo ancho. Também tive contato direto com compositores e atores paraibanos, dos quais só conhecia por nome ou obra, como Pedro Osmar, Pepita, Petra, Cláudio e tantos outros.


- Marcos, sua obra é um verdadeiro documentário sobre cultura popular nordestina. O que ela traduz em sua essência?

A mais pura e cristalina poesia popular e o melhor da arte do improviso, das pelejas poéticas, através dos versos mais lindos, engraçados, alegres e bem humorados de todos os tempos, onde seus autores, com talento e sabedoria, questionam os mistérios da natureza, criticam a vaidade humana, satirizam políticos, registram dramas da vida, divulgam nossos costumes e tradições, e transmitem o que pensam através de seus versos, muitas vezes formulando verdadeiras filosofias populares, como esta, por exemplo, de autoria de Antonio Pereira, definindo saudade:

Saudade é um parafuso,
Que na rosca, quando cai,
Só entra se for torcendo
Porque batendo, não vai;
E, se enferrujar por dentro,
Pode quebrar, mas não sai.


- O livro presenteia os leitores com informações e orientações sobre os poetas, cantadores, violeiros e repentistas, mas sumiu das livrarias. Quando você pretende lançar uma segunda edição?

Acho que ainda este ano. Esta segunda edição contará com um capítulo dedicado à agência do Banco onde trabalho. Junto com Deoberto, que trabalha lá comigo, estamos selecionando alguns casos verídicos e engraçados ocorridos com colegas no dia-a-dia do trabalho.


- Cultura popular é um tema pouco explorado no nosso país. A tecnologia, modismo e influência estrangeira na música e na dança no Brasil, são os responsáveis pelo esquecimento das nossas raízes?

Acredito que sim, pelo menos em grande parte. Para você ter uma idéia, muita gente anda até com roupa rasgada, porque virou moda. Mas a mídia também tem uma parcela de responsabilidade nesse esquecimento. As emissoras de rádio, por exemplo dão muito mais espaço a essas bandas de forró de plástico, deixando de lado o forró autêntico e de qualidade de um Dominguinhos, Maciel Melo, Nando Cordel, Jorge de Altinho e tantos outros.

A programação da TV também não fica de lado e muitas vezes temos de engolir de goela abaixo o lixão enlatado que vem do estrangeiro. As livrarias seguem o mesmo ritmo. Os melhores lugares para expor são destinados a escritores de fora. É muito difícil nelas encontrar livros de um autor do quilate de Altimar Pimentel, que divulga incansavelmente nosso folclore. Mas felizmente, ainda existem tentativas de divulgação de nossa cultura.

Uma emissora local está voltando a transmitir nossa cantoria e poesia popular através do programa “Cantos e Contos”, que vai ao ar nas manhãs de sábado, e que tenta resgatar alguns valores de nossa cultura, e está aberto aos nossos artistas populares. É só ligar a TV para conferir.

Tomara que essa iniciativa tenha o resultado esperado. “E Pei bufo, etc. e coisa e tal” (como dizia Zé Limeira).


- A trajetória dos repentistas e o universo dos seus conhecimentos, são narrados no livro. O que mais você descobriu em sua pesquisa sobre os grandes mestres da sabedoria popular?

Que todos eles, dos mais simples aos mais cultos, são pessoas bem humoradas, daí a criatividade para fazer humor e sátira diante até de situações adversas. Eles têm uma memória com precisão surpreendente, uma grande agilidade mental e uma enorme capacidade de improvisar diante das mais diversas situações que acabam enfrentando. Certa vez, Pinto de Monteiro participava de uma cantoria, quando foi surpreendido com o pedido desse estranho mote:

"Aqui ali, acolá,
Acolá, aqui, ali.”


Comprovando o que acabo de dizer, num pestanejar, ele improvisou:

Tira a tampa da garrafa,
Garrafa, tampa, aguardente,
Marrafa, cabelo, pente,
Pente, cabelo e marrafa.
É jequi, peixe e tarrafa,
Tarrafa, peixe e jequi,
Cajá, caju, cajuí,
Cajuí, caju e cajá,
Aqui, ali, acolá,
Acolá, aqui, ali.


- Sua obra foi escrita com paciência. Você teve o cuidado e a paciência de um verdadeiro restaurador de obra de arte. Você considera seu trabalho, que é uma verdadeira aula de cultura, como didático?

Veja bem, eu procurei esclarecer o que é cantoria (com suas regras e estilos) e outras manifestações artísticas, como poemas e canções, emboladas, ABC, gestas, quadrinhas, trovas e cordel, por exemplos.

O mote, com suas diversas formas de apresentação e localização na estrofe também é explicado direitinho. O livro também ensina, entre outras coisas, como são construídos mais de 50 gêneros de cantoria, com suas métricas, normas e maneiras diferentes de organizar os versos. Então eu o considero também como um material didático.


- Os causos contados em cordel parecem apenas peças com rimas, mas em sua pesquisa você mostra como compreender a literatura de cordel? Foi difícil repassar tudo isso para os leitores?

Na verdade, eu apenas procurei mostrar, através do lado hilariante do cordel, que os cordelistas são pessoas com mentes criativas e que possuem grandes capacidades imaginativas. Por isso, os causos contados no livro, em linguagem simples e matuta, são estórias engraçadas de heróis e covardes, de ódio, de traição, de mentiras, de cangaceiros, de aventuras amorosas, misticismo, religiosidade, política, imaginário popular, etc.

A maioria dos cordéis transcritos é de autoria do paraibano Leandro Gomes de Barros, que foi um de seus principais expoentes e o responsável pelo inicio de sua produção em série.


- Um dado curioso no livro é a participação dos seus três filhos. Como foi trabalhar em família?

Eu diria que foi muito proveitoso e eficiente, pois podia contar com eles a qualquer hora do dia ou da noite para discutirmos sobre o andamento do trabalho e suas alterações. O Igor participou com o design gráfico da capa, Ícaro fez a maioria dos desenhos internos e a Thiala criou as figuras de massa, a fotografia da capa e o resto das ilustrações. Contei também com a ajuda de Zelma (esposa) nos trabalhos de pesquisa.

Além disso, a orelha do livro foi gentilmente escrita por você, que é minha cunhada e a apresentação é de autoria do poeta Luiz Medeiros, que é tio de minha esposa. Eu não conheço nenhuma obra que tenha tanta participação familiar. Acho que dá até para entrar para o Guiness Book, o livro dos recordes.


- Sua intenção ao escrever a obra foi mostrar o lado humorístico dos diversos ramos da cultura popular?

Eu procurei levar o humor a sério porque acredito que é indispensável para se viver bem e com saúde, pois ele afasta o mau humor, a tristeza e o stress por exemplos. Não sei se consegui passar essa mensagem, mas tentei. Não usei a metodologia tradicional de outros autores. Preocupei-me apenas em buscar curiosidades cômicas nas obras desses poetas. E livros sérios sobre o assunto já existem às dezenas.

Minha intenção foi exatamente fazer um livro engraçado e brincalhão que chamasse a atenção e o interesse dos leitores, mostrando alguns momentos desse lado humorístico. Como esse que aconteceu quando Lourival Batista e Severino Pinto cantavam uma animada Gemedeira (que é um dos gêneros da Cantoria):

Lourival:
Pinto, na vida dos versos,
O cantador parece oprimido,
O riso parece pranto,
O canto é como um gemido,
Padece mais que viúva,
Ai! Ai! Hum! Hum!
Com saudades do marido.

Pinto:
Tendo ele no sentido,
Lhe falta até assunto,
Mas, na hora que um rapaz,
Dela se chega junto,
Ai! Ai! Hum! Hum!
Nem se lembra do defunto.


- Mesmo sem aquela valorização do passado, a cultura popular tem resistido ao tempo e ainda mantém sua importância. Será tema do próximo livro ou o autor vai explorar outro tema?
Ele abordará também alguns ramos da cultura popular paraibana, mas o tema principal será outro.


- Sabemos que uma nova obra está sendo preparada com os mesmos cuidados buscados na primeira. Pode dizer para os leitores o tema desse novo trabalho?

O livro já está em gestação. Eu pretendo contar a história de todos os municípios paraibanos, citando seus pontos turísticos e seus eventos culturais.


- Você é bancário por profissão, mas se transformou em escritor e pesquisador. Como você concilia essas duas atividades?

Eu trabalho no Banco durante o dia e faço minhas pesquisas à noite e nos finais de semana antes de ir à praia para tomar umas cervejinhas geladas com peixe frito. O tempo é curto, mas não tenho nenhuma pressa em terminar um livro.


- É verdade que o seu livro resultou na produção deste site? Quem foi o idealizador?

Sim. O Ígor, meu filho mais velho, foi quem teve a idéia e é quem está idealizando quase tudo. Mas o site também está tendo a colaboração da mesma equipe acima citada. Desta vez tem até um pitado da Jade, minha neta.


- Quais as principais informações que o site trás aos internautas?

O site aborda aspectos da cultura paraibana e regional, com agenda dos principais eventos a serem realizados no Estado, além de algumas curiosidades e um Blog com artigos sempre atualizados de minha autoria.

2 comentários:

  1. Maria Luiza dos Santos G.de Oliveira6 de fevereiro de 2011 às 08:12

    Estou terminando o curso de Pedagogia na UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro, o tema da minha monografia é sobre Literatura de Cordel e a aprendizagem. Gostaria de adquirir o livro do Marcos França. Como fazer?
    Gostei muito da entrevista e vou mencionar na monografia o endereço desse blog.
    Parabéns e muito grata pelas informações

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  2. Olá Maria, para adquirir o livro, basta entrar em contato através deste formulário: http://culturapopular2.blogspot.com/p/contato_254.html

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